quarta-feira, 2 de outubro de 2013

Professor de Antigamente: uma História

Minha vida de professora primaria teve início num tempo em que as dificuldades eram enormes e superadas com muita força de vontade, amor e porque não dizer, criatividade, mas em que o professor era amado e respeitado por seu trabalho.
Esta é uma das muitas histórias que tenho para contar.

Formei-me no "Colégio Estadual e Escola Normal Arnolfo Azevedo",  em Lorena,  no final da década de 60. Inscrevi-me no concurso de escolas de emergência e fui dar aulas em Cunha, cidade serrana, hoje considerada Estância Climática, próxima a Paraty.


                                             Uma lembrança da Escola Normal!
Na primeira fila, da esquerda para direita: Haidee,  Eu, Regina Estela,  Ester,  Nadir, atrás: Neicyr,  Edir, Regina Célia, Maria Luiza, Aliete,  Heloísa  e  Neusa. 

Cunha, cidade serrana, hoje considerada Estância climática.







Minha escola ficava a vários quilômetros da casa onde passava a semana e que era destinada às professoras da região. Não havia condução,  percorrer aquela distância todos os dias, sozinha e a pé, seria perigoso demais, decidi alugar um cavalo.
Era um bonito animal, mas tinha um defeito: era arisco, assustava-se até com um pedaço de papel que visse à beira da estrada e mesmo eu sendo uma amazona bem razoável, enfrentava perigos constantes.

O caminho que percorria diariamente, era um trecho da estrada que liga Cunha a Paraty, ladeada pela Mata Atlântica. Esta estrada somente agora está sendo  asfaltada, devido a embargos constantes das leis ambientais.
As manhãs eram geladas, o vento parecia cortar minha pele! Poeira, chuva e lama, traziam mais dificuldades.
Precisava estar atenta, pois poderia encontrar algum animal selvagem  saindo da mata para a estrada, temia também pessoas desconhecidas que eventualmente encontrava.
Mas aos poucos fui me familiarizando com o ambiente e algum tempo depois, já conseguia desfrutar da beleza exuberante da natureza!
Eu era jovem, tinha força e coragem para enfrentar aquela missão e além de tudo encontrei sempre apoio e amizade de todos os pais, alunos, do dono  das terras onde funcionava a escola, das minhas colegas...



Quando assumi a classe, apenas  um pequeno grupo de alunos a frequentava.
Dispus-me a visitar os moradores do lugar, conversar com eles sobre a necessidade de mandar seus filhos à escola.
Após as aulas, no período da tarde, andava grandes distâncias, acompanhada por algumas crianças que conheciam melhor as trilhas e as pessoas a serem visitadas.


Naquele tempo não havia o Conselho Tutelar, nem o Estatuto da Criança e do Adolescente, de modo que precisei usar de toda minha capacidade de persuasão para convencer aquela gente simples, (que necessitava da ajuda de seus filhos na lida da roça), de que as crianças tinham  direito a frequentar uma escola.
Para agravar a situação ainda havia um outro motivo para a evasão escolar: as crianças menores sempre sofriam agressões dos maiores no caminho da escola. Precisei resolver mais este problema com os pais responsáveis pelos pequenos agressores.


Depois de muita conversa, muitos cafés com pinhão e caminhadas exaustivas por campos e montes,  foi necessário trazer mais bancos e mesas para minha escolinha!
Eram tantas crianças! Eu não cabia em mim de tanta felicidade!












Todas as manhãs, bem cedinho, um menino arreava o cavalo e logo em seguida lá ia eu pela estrada a fora, levando um caldeirão, emprestado pela "Dona Rosa", macarrão ou arroz, temperos e alguma  carne. Meus alunos, por sua vez, sempre levavam verduras, legumes e frutas de seus quintais para colaborar. Ajudavam-me a acender o fogão a lenha e colocar a sopa para cozinhar.
Ai então começávamos nossa aula!
Na hora do recreio a merenda estava pronta!
A ideia de fazer a merenda veio quando vi crianças, vindas de bairros mais distantes, abrirem suas marmitas e encontrarem sua comida azeda.
Naquele tempo também não havia a Merenda Escolar.






Apesar das dificuldades, foram dias inesquecíveis, via os pequenos felizes, esforçando-se para aprender. Mas não pude ficar com eles até o final daquele ano.
Aconteceu que fiquei grávida do meu primeiro filho, e numa das manhãs em que ia para a escola, o caminhão leiteiro, cujo  motorista por alguns instantes teve a visão prejudicada pelo sol, veio em minha direção. Meu cavalo, assustando-se, "empinou" e quase me derrubou. Só não cai por milagre!
Percebi que não poderia continuar  arriscando a vida do meu filho!
Aconselhada por meu médico, pedi exoneração do cargo.
Lembro-me da expressão da supervisora, D. Filhinha, senhora enérgica e austera, ao dizer-me:
" O que é bom, dura pouco!". Foi grande a minha surpresa, pois julgava que ela nem me conhecesse.

Foi muito difícil deixar meus alunos, um forte vínculo já nos unia!


Um comentário:

  1. VOCÊ SEMPRE TEVE O PERFIL DE PROFESSORA , MINHA IRMÃ MARIA HELENA TAMBÉM. NAO FALTOU LUTA ,CORAGEM , DEDICAÇÂO E PROFISSIONALISMO.AGORA QUE A REENCOMTREI AS LEMBRANÇAS SÃO FANTÁSTICAS. NADA ACONTECE POR ACASO.

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